sábado, 22 de setembro de 2012







Solta-me os cabelos, potros indomáveis
sem nenhuma melancolia,
sem encontros marcados,

sem cartas a responder.

Deixa-me o braço direito,
o mais ardente dos meus braços,
o mais azul,
o mais feito para voar.
Devolve-me o rosto de um verão
Sem a febre de tantos lábios,
Sem nenhum rumor de lágrimas
Nas pálpebras acesas.

Deixa-me só, vegetal e só,
correndo como rio de folhas
para a noite onde a mais bela aventura
se escreve exactamente sem nenhuma letra.

(Eugénio de Andrade)





Foto Net

sexta-feira, 21 de setembro de 2012





Não és tu a minha casa
nem o teu verbo derramado até às mãos
carentes de tecto

nem os teus olhos na anuência deleitosa
de seres outro eu
no quente papel do leito
no vago lençol de tinta
em que escreves uma história que não é tua.
A minha casa
são estas paredes vestidas de insónia
alinhavada a rufos de tambor e solos de violoncelo
que abrem na madrugada do meu silêncio
o medo da loucura atrás da porta.












quarta-feira, 19 de setembro de 2012







Esta noite
os cães que não sabem uivar
rosnam baixinho a tua ausência

Foto Julie Lansom


domingo, 16 de setembro de 2012












Recomponho a melodia das roupas que despi

ensaio em breves e semi-breves

o ritmo que o chão ecoa sob as sedas

as cambraias o algodão doce

suave e triste do abandono

a nudez é uma sede de esperança

que se perdeu

e no regresso ao futuro

o rendilhado que o passado amassa

mói-me o presente como o trigo

que há-de ser pão ázimo

da fome que não escondo

.

a musica dos sentidos

é um céu turvo de pássaros que chegam


a anunciar uma primavera que não verei.



Foto Net