sábado, 15 de setembro de 2012








Sossegadamente segura e neutra 

cinza de penumbra a lembrar a luz

assim os dias em que a alma se quer nua

e o coração já não aspira nem demite

nenhum sonho ou desejo

em livro de horas desusado

é a memória que se segue linha a linha

na ponta do dedo que a cegueira ordena

e a vontade sem vontade aceita

clara e lúcida assunção da vida

a olhar a cor por fora do vazio

na mão que cerrada a cortina

repousa ainda tensa e pronta

sobre as páginas em branco do resgate.


Foto de Vernon Trent

sexta-feira, 14 de setembro de 2012










Deixa que te diga

não estás só


todas as manhãs

acordas e sentes

o calor do lado vazio

o aroma nos lençóis lavados

da sombra  dos cheiros

que te acendem a pele

o orvalho dos olhos

a molhar as horas

que não queres esquecer

o jardim de delicias

onde cantava o pássaro

no arder das madrugadas


digo-te

não estás só


enquanto saboreares

o ácido suor do corpo nu

nos lábios ressequidos

e gritares à noite

a inominável vontade

de te perderes outra vez


não estás só


na memória dos sentidos

és ainda e sempre

noiva de um sonho

 que ficou.




Foto Net

quinta-feira, 13 de setembro de 2012







''É só com total humildade e em absoluta quietude da mente

 que podemos saber o que realmente somos.'




Wei Wu Wei


terça-feira, 11 de setembro de 2012






ESTAR SÓ É ESTAR NO ÍNTIMO DO MUNDO

Por vezes cada objecto se ilumina 
do que no passar é pausa íntima 

entre sons minuciosos que inclinam
a atenção para uma cavidade mínima
E estar assim tão breve e tão profundo
como no silêncio de uma planta
é estar no fundo do tempo ou no seu ápice
ou na alvura de um sono que nos dá
a cintilante substância do sítio
O mundo inteiro assim cabe num limbo
e é como um eco límpido e uma folha de sombra
que no vagar ondeia entre minúsculas luzes
E é astro imediato de um lúcido sono
fluvial e um núbil eclipse
em que estar só é estar no íntimo do mundo 





António Ramos Rosa in Poemas Inéditos